“Baixio das Bestas” iluminou, re-significou e aperfeiçoou “Amarelo Manga” na minha idéia.
Ficou eficientemente revelado o sentido da exploração de tipos grotescos: que o espectador atentasse às suas próprias perversões, deixando de perceber o velho avaro, o caminhoneiro tarado, a cafetina escrota e o filhinho de papai psicopata, apenas como os outros, mas como faces do fenômeno humano, de que ele, espectador, também é manifestação. Como negar o prazer erótico produzido pelo banho de rio de Auxiliadora, mesmo depois de ver que a moça é forçada pelo velho Heitor a expor o seu corpo, por dinheiro, nos fundos de uma igreja, para caminhoneiros sedentos de sexo? A vítima, esfregando-se no rio, se expõe também ao espectador como objeto de prazer, gerando neste a sensação ambígua e moralmente incômoda de identidade com aqueles que sustentam a sua opressão e humilhação.
As ações se dão numa economia paralela à economia da cana-de-açucar, do plantio à queimada. Como subprodutos, as perversões de exploradores e de explorados, que assim adquirem o caráter de problema social. Nesse contexto, apenas o sexo e o dinheiro regem os interesses entre as pessoas, numa espécie de sistema de trocas rude, reduzido ao grau mínimo de humanidade, cujas interações culminam sempre em violência.
O velho Heitor é um dos agentes econômicos mais atuantes neste cenário. No início apresentado como um moralista típico, vai-se descobrindo aos poucos que o buraco é bem mais embaixo, assim como a cisterna escavada ao lado de sua casa. Ele também abusa sexualmente de Auxiliadora, de quem, numa conversa no final do filme: dizem que é sua filha e neta. O personagem diluído ao longo da história é muito mais convincente e serve bem à distribuição das tensões no enredo.
O determinismo de “Baixio das Bestas” tem também melancolia. É o semblante sério sofrido dos cortadores de cana, enquadrados, na carroceria de um caminhão, como paisagem, retrato da imobilidade social, na velocidade da máquina. Situação cotidiana, outras perversidades do baixio, outras bestas.
Num filme com tanta bunda, peito e pica, estupro, sangue e sadismo, é uma boca desdentada de um cortador de cana que mais impressiona, aberta, para cima, vibrando à espera do sumo de um bagaço, desesperadamente torcido até a última gota, como a aplacar o desejo de uma besta faminta.
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